8 de set. de 2010

Revolução Caraíba ou a Destruição do Espírito de Colônia

Em que se pese o Volksgeist* brasileiro, penso-o como um resquício ainda insistente em hábitos e no pensamento remanescente dos colonos. Analisando historicamente os dados desde o período de descobrimento e colonização, evidencio o atraso de que se trata esse espírito. Com a expansão marítima, iniciada nas bases da Idade Moderna, tem-se a colonização das Américas, as quais foram denominadas o “Novo Mundo”. Os povos que habitavam essas regiões estavam em uma distribuição tal que o conflito foi inevitável. Trazendo toda a carga de doenças intelectuais do “Velho Mundo” - dominado pela intolerância, ignorância e imposição de valores e verdades universais -, os europeus conseguiram, de certo modo, conquistá-los aos poucos e sorrateiramente. Não foi, portanto, pela força que se dominou, ao contrário do que é passado. As populações existentes no Brasil superavam em número muito mais que o dobro de todos os habitantes de Portugal e, algumas etnias - como os tapajós de Santarém no Pará descritos pelo explorador português Maurício Heriarte em 1662 – eram tão populosas que mobilizavam para a guerra um contingente de até sessenta mil indivíduos,em contrapartida os primeiros portugueses que aqui chegaram não reuniam nem dez por cento dessa parcela. Não tiveram a sorte de encontrá-los, porém a de conhecer os tupinambás
que cobriam, em diversas etnias, o litoral brasileiro. A melhor de suas práticas, é sabido, influenciou o pensamento de Oswald de Andrade: a antropofagia. Muitos tiveram a oportunidade de presenciar tais ritos e de deixar relatos sobre, como Hans Staden; ou ainda melhor como no caso do primeiro bispo do Brasil, Pero Sardinha ou Bispo Sardinha, devorado, segundo algumas fontes, pelos caetés.
Devido a essa hostilidade encontrada, uma questão surge: e como foi possível o estabelecimento em tais territórios? Para elucidar a questão, tomo agora o exemplo da mutilação dos povos mesoamericanos pelos espanhóis. É sabido que na mitologia maia havia profecias que se baseavam em medições celestes (fenômeno da precessão terrestre) e principalmente no calendário solar. A cada 52 anos, realizavam sacrifícios humanos para que Quetzalcoatl – um de seus deuses principais – não retornasse a Terra. Acreditavam também que Quetzalcoatl era um homem branco, com feições claramente bem diferentes das que eles estavam acostumados a lidar. Quando Hernan Cortez desembarcou em seus territórios, dentro de tão estranhos objetos de locomoção, rodeado por pessoas da mesma cor, com vestimentas e utensílios nunca vistos: pronto! Eis os deuses das profecias! De maneira análoga pode-se explicar o que ocorreu no Brasil. Os jesuítas muito ajudaram nesse embate, nem preciso mencionar como. Dá-se muita importância também ao escambo, um dos primeiros elos entre os forasteiros e os indígenas. Mas, a causa anterior é mais evidente.
Espírito de atraso.
Espírito de complacência e acomodação.
Espírito de inferioridade.
Espírito de colônia.
Logo que se estabeleceram e dividiram ao seu bel prazer o território, trataram de tirar proveito ou extrair as riquezas. Inicialmente não se viu ouro, tampouco pedras preciosas. Explorou-se a resina do Pau-brasil até o limite do esgotamento. As capitanias hereditárias, inicialmente em número de doze, pouco vingaram. Era o espírito dos colonizadores ali presente. Longe da pátria, da “civilização” e dos “civilizados”, das cidades, das novidades e dos avanços. Era de se esperar que, mesmo com a oferta de extensas faixas de terras, onde os donatários podiam exercer o poder de mando, o descrédito superaria todas as benesses. É elementar que o dispêndio com o desenvolvimento das capitanias (arcado pelos donatários), os recursos humanos e outras adversidades encontradas; obstaram o progresso e o êxito naquele momento. Mas, será mesmo que, em sua fineza europeia, saltos, linho e seda; desejavam a plenos pulmões habitar um continente de clima temperado, de “bárbaros”, de “selvagens que andam nus” e de canibais?
Ao longo dos séculos, essa tendência à glorificação do que não é produzido em solo brasileiro frente ao que é nacional, tem sido perpetrada. O reconhecimento do que é “tupiniquim” deve ser feito antes pelos estrangeiros, depois pelos compatriotas. Um grande autor divulga seus trabalhos em outro país, ganha fama internacional – a partir de então começa a ser aclamado no Brasil. É como se os produtos voltassem com o rótulo de produção estrangeira, alvo de desejo íntimo do espírito de colônia. Ou seja, um total desprezo ou perda de identidade, ou a apoteose das outras. Por incrível que pareça, ante a esse abandono, a essa falta de orgulho; a miscigenação de etnias, culturas, costumes, tradições e conhecimentos (a antropofagia natural ao povo austral - o ato de se alimentar do que é mais virtuoso no outro) provocam uma opulência de construções que salta aos olhos.
É justamente por essas e outras razões que tal comportamento é absurdo para uma nação faustosa como a nossa. É preciso que se cultive o espírito de excelência, o impulso de grandeza! Ora, tem-se o poder (“todo poder emana do povo”); bens e recursos; liberdade de expressão e de opinião, entre outros direitos e garantias asseguradas na Carta Magna; o que falta então? Falta mobilização social; asco à ignorância e não ao saber; repulsa à miséria de conduta! Cruza-se os braços e espera-se que alguém intervenha em seu lugar; enquanto os homens de rapina enchem os bolsos; enquanto os filhos da pátria passam fome, pedem esmola, são humilhados quando recorrem aos serviços públicos – estes que são pagos a altos custos pela população! Quando alguém vai adquirir um bem de consumo, não o aceita se estiver em péssimas condições. Por quê? Porque está pagando e exige que lhe agrade, que lhe satisfaça. E por que não reclamar das altas taxas de impostos, sendo que não se vê um retorno satisfatório (muito pelo contrário, o que é oferecido é frustrante)?
Basta! É necessário excluir das opções de voto esses políticos que se mostram sorridentes nas poses, nos palanques; esses políticos que estão felizes com a situação que se observa nas ruas; esses indivíduos que nada fazem para elevar o país muito além do merecido.
Revolução Caraíba! Revolução Tupiniquim! Revolução Brasileira!
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*"espírito do povo"

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